sábado, 28 de abril de 2012


LEMBRANÇA DO MUNDO ANTIGO





Clara passeava no jardim com as crianças.
O céu era verde sobre o gramado,
a água era dourada sob as pontes,
outros elementos eram azuis, róseos, alaranjados,
o guarda-civil sorria, passavam bicicletas,
a menina pisou a relva para pegar um pássaro,
o mundo inteiro, a Alemanha, a China, tudo era tranqüilo em redor de Clara.

As crianças olhavam para o céu: não era proibido.
A boca, o nariz, os olhos estavam abertos. Não havia perigo.
Os perigos que Clara temia eram a gripe, o calor, os insetos.
Clara tinha medo de perder o bonde das 11 horas,
esperava cartas que custavam a chegar,
nem sempre podia usar vestido novo. Mas passeava no jardim, pela manhã!!!
Havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!!



     Neste poema, Drummond usa a técnica da oposição.  Todos os fatos expostos têm a finalidade de levar o leitor ao último verso. E, ao dizer, que havia jardins e manhãs naquele tempo, na verdade, ele quer dizer que não há mais jardins e manhãs nos dias de hoje, De uma caso particular, Clara, o poema vai ao universal (o mundo inteiro, A  Alemanha, a China, tudo era tranquilo em redor de Clara.) e os fatos simples  como ter medo de gripe, calor e insetos podem ser lidos como medo de perigos maiores, coletivos, e não só individuais.

     Prestemos atenção de que é não sobre Clara que o poema fala, mas de um mundo em que acontecimentos pequenos e cotidianos, idealizados pelas cores (verde, dourado, azul, róseo, alaranjado), dão lugar a um mundo do qual o leitor não sabe nada, senão que “jardins’ e “manhãs” desapareceram. Podemos interpretar estas duas palavras de várias maneiras, uma vez que estão impregnadas pelo simbólico.

    De qualquer forma, o texto fala de ausências e faltas, sejam elas quais forem. Trata-se de uma crítica ao momento (em que foi escrito e/ou publicado), em que – repetimos – o verbo no pretérito imperfeito quer se referir ao presente. Temos, portanto, uma oposição temporal.

    Esta técnica de dizer indiretamente algo foi muito usada em tempos repressores para burlar a censura mais rigorosa, ou, com intenção irônica, para deixar que o leitor conclua sem muita dificuldade o que o autor sugeriu.





Marcus Vinicius Quiroga

      

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